NOME AOS BOIS - Sai pra lá, dedo-duro
Por Carlos Brickmann em 19/5/2009
O.F.B., que se identifica como sexagenário, escreve para dizer que não assimila certas coisas de hoje em dia. "Uma delas é o dedo-duro. Em minha infância-juventude, dedo-duro era simplesmente alijado da turma."
O dedo-duro, o delator, sempre mereceu repúdio geral – de nomes depreciativos, como "cagüeta" (sim, com trema), "ganso", "x-9", "traíra", a atitudes que demonstravam a repugnância por eles, como esfregar as unhas na lapela quando chegava um indivíduo desses, significando "sujou". No mundo do crime, a pena para o dedo-duro é a morte. Os serviços secretos têm uma máxima: usar o dedo-duro porque é necessário, e depois descartá-lo, porque dedo-duro é gente que não presta.
A coisa pegava tanto que um grande jornal tinha como norma, em reportagens investigativas, usar a palavra "revelou" em vez de "denunciou". Pois denúncia, lembremos, era coisa de pessoas desclassificadas.
Algumas coisas mudaram no mundo, e o leitor O.F.B. faz muito bem em não assimilá-las. Hoje, no meio de reportagens e colunas, quem assina a matéria se orgulha de ter entregue denúncias ao Ministério Público, de ter montado dossiês para enviá-los à polícia, de ter, antes mesmo de publicar seu texto, passado informações a policiais, para que pudessem agir de surpresa contra os alvos.
Uma excelente reportagem de Gabriel Manzano Filho no Estado de S.Paulo conta que a família de Vladimir Herzog, jornalista assassinado por torturadores durante a ditadura militar, articula a criação da Casa de Vlado Vivo, cujo objetivo, mais do que perpetuar sua memória, é garantir a realização de suas esperanças (Luiz Weis, que foi parceiro e amigo de Vlado, sempre atento aos bons textos da imprensa, transcreveu esta reportagem no blog Verbo Solto deste Observatório).
Quando se recorda Vlado, recorda-se também que dedos-duros da imprensa moveram-lhe feroz campanha, até que os homens da ditadura o prenderam e mataram. Vlado morreu; e os dedos-duros que contribuíram para sua morte morreram em vida, afastados do convívio de outros jornalistas, afastados da profissão, carentes do respeito de seus pares.
Como explicar que, hoje, jornalistas orgulhosamente acusem colegas de parcialidade por estudar com determinados professores, ou trabalhar em determinadas empresas, porque fazem restrições aos proprietários ou acionistas destas empresas? Como explicar que, hoje, jornalistas repitam os erros trágicos do passado, em nome do mesmo pretexto, a luta política? Como explicar que, como no tempo da ditadura, jornalistas peçam a cabeça de outros? Como explicar o retorno do ridículo "meu patrão é melhor do que o seu", e ainda em tom acusatório, prejudicando companheiros de profissão?
Não dá: quando aqueles a quem Ricardo Kotscho chama de "cachorros loucos" saem escrevendo besteira, isso é uma questão a ser resolvida com novos dispositivos legais que inibam a irresponsabilidade. Mas jornalista é diferente: o Código de Ética diz que a opinião expressa em meios de comunicação exige responsabilidade. E disso não podemos fugir.
Um retrato riscado...
Dois jornalistas de primeiro time escreveram, nos últimos dias, contra o anonimato na internet. Tanto Luiz Antônio Magalhães (aqui no OI) como Ricardo Kotscho (Balaio do Kotscho, transcrito no OI) têm razão: cada um pode escrever o que quiser, sem censura, mas responsabilizando-se pelo que diz. Para usar a expressão de Kotscho, "a valentia dos anônimos" não pode se confundir com livre manifestação de pensamento.
Livre manifestação de pensamento é o que exercitam colunistas como Paulo Henrique Amorim, que critica duramente três homens poderosos, o presidente do Supremo Tribunal Federal, o governador de São Paulo e um banqueiro de larga influência, Daniel Dantas. Paulo Henrique diz o que quer e se responsabiliza por isso. Luis Nassif bate duro numa das maiores empresas de comunicação do país, a Editora Abril, nos jornalistas que comandam a principal revista semanal do país, e se responsabiliza por isso. Reinaldo Azevedo critica pesadamente membros do governo federal, e se responsabiliza por isso. Se alguém se sentir ofendido, tem a Justiça para protestar e buscar reparação.
A valentia do anonimato é outra coisa. É a facada nas costas, é a emboscada, é o uso de pistoleiros contra os inimigos. Não se trata, portanto, de valentia.
E que fazer quando uma pessoa quiser se manifestar mas sem, por qualquer motivo, divulgar seu nome? Simples: seus dados não precisam ser divulgados, mas devem estar disponíveis em algum lugar. Em caso de processo legal, ou o responsável pelo blog entrega esses dados à Justiça ou responde pelo material publicado, assumindo toda a responsabilidade. Nada diferente do que acontece hoje nos jornais e revistas: o leitor pode até usar pseudônimo, pode ter sua identidade resguardada, mas haverá como chamá-lo à responsabilidade, se for o caso. Nada diferente do que acontece naquelas entrevistas de jornais da TV em que a imagem é desfocada e o entrevistado fala com voz de Pato Donald. Se alguém se sentir atingido, pode pedir que sejam identificados para a abertura de processo. Ou podem, caso a identificação não lhes seja fornecida, processar a emissora.
O.F.B., que se identifica como sexagenário, escreve para dizer que não assimila certas coisas de hoje em dia. "Uma delas é o dedo-duro. Em minha infância-juventude, dedo-duro era simplesmente alijado da turma."
O dedo-duro, o delator, sempre mereceu repúdio geral – de nomes depreciativos, como "cagüeta" (sim, com trema), "ganso", "x-9", "traíra", a atitudes que demonstravam a repugnância por eles, como esfregar as unhas na lapela quando chegava um indivíduo desses, significando "sujou". No mundo do crime, a pena para o dedo-duro é a morte. Os serviços secretos têm uma máxima: usar o dedo-duro porque é necessário, e depois descartá-lo, porque dedo-duro é gente que não presta.
A coisa pegava tanto que um grande jornal tinha como norma, em reportagens investigativas, usar a palavra "revelou" em vez de "denunciou". Pois denúncia, lembremos, era coisa de pessoas desclassificadas.
Algumas coisas mudaram no mundo, e o leitor O.F.B. faz muito bem em não assimilá-las. Hoje, no meio de reportagens e colunas, quem assina a matéria se orgulha de ter entregue denúncias ao Ministério Público, de ter montado dossiês para enviá-los à polícia, de ter, antes mesmo de publicar seu texto, passado informações a policiais, para que pudessem agir de surpresa contra os alvos.
Uma excelente reportagem de Gabriel Manzano Filho no Estado de S.Paulo conta que a família de Vladimir Herzog, jornalista assassinado por torturadores durante a ditadura militar, articula a criação da Casa de Vlado Vivo, cujo objetivo, mais do que perpetuar sua memória, é garantir a realização de suas esperanças (Luiz Weis, que foi parceiro e amigo de Vlado, sempre atento aos bons textos da imprensa, transcreveu esta reportagem no blog Verbo Solto deste Observatório).
Quando se recorda Vlado, recorda-se também que dedos-duros da imprensa moveram-lhe feroz campanha, até que os homens da ditadura o prenderam e mataram. Vlado morreu; e os dedos-duros que contribuíram para sua morte morreram em vida, afastados do convívio de outros jornalistas, afastados da profissão, carentes do respeito de seus pares.
Como explicar que, hoje, jornalistas orgulhosamente acusem colegas de parcialidade por estudar com determinados professores, ou trabalhar em determinadas empresas, porque fazem restrições aos proprietários ou acionistas destas empresas? Como explicar que, hoje, jornalistas repitam os erros trágicos do passado, em nome do mesmo pretexto, a luta política? Como explicar que, como no tempo da ditadura, jornalistas peçam a cabeça de outros? Como explicar o retorno do ridículo "meu patrão é melhor do que o seu", e ainda em tom acusatório, prejudicando companheiros de profissão?
Não dá: quando aqueles a quem Ricardo Kotscho chama de "cachorros loucos" saem escrevendo besteira, isso é uma questão a ser resolvida com novos dispositivos legais que inibam a irresponsabilidade. Mas jornalista é diferente: o Código de Ética diz que a opinião expressa em meios de comunicação exige responsabilidade. E disso não podemos fugir.
Um retrato riscado...
Dois jornalistas de primeiro time escreveram, nos últimos dias, contra o anonimato na internet. Tanto Luiz Antônio Magalhães (aqui no OI) como Ricardo Kotscho (Balaio do Kotscho, transcrito no OI) têm razão: cada um pode escrever o que quiser, sem censura, mas responsabilizando-se pelo que diz. Para usar a expressão de Kotscho, "a valentia dos anônimos" não pode se confundir com livre manifestação de pensamento.
Livre manifestação de pensamento é o que exercitam colunistas como Paulo Henrique Amorim, que critica duramente três homens poderosos, o presidente do Supremo Tribunal Federal, o governador de São Paulo e um banqueiro de larga influência, Daniel Dantas. Paulo Henrique diz o que quer e se responsabiliza por isso. Luis Nassif bate duro numa das maiores empresas de comunicação do país, a Editora Abril, nos jornalistas que comandam a principal revista semanal do país, e se responsabiliza por isso. Reinaldo Azevedo critica pesadamente membros do governo federal, e se responsabiliza por isso. Se alguém se sentir ofendido, tem a Justiça para protestar e buscar reparação.
A valentia do anonimato é outra coisa. É a facada nas costas, é a emboscada, é o uso de pistoleiros contra os inimigos. Não se trata, portanto, de valentia.
E que fazer quando uma pessoa quiser se manifestar mas sem, por qualquer motivo, divulgar seu nome? Simples: seus dados não precisam ser divulgados, mas devem estar disponíveis em algum lugar. Em caso de processo legal, ou o responsável pelo blog entrega esses dados à Justiça ou responde pelo material publicado, assumindo toda a responsabilidade. Nada diferente do que acontece hoje nos jornais e revistas: o leitor pode até usar pseudônimo, pode ter sua identidade resguardada, mas haverá como chamá-lo à responsabilidade, se for o caso. Nada diferente do que acontece naquelas entrevistas de jornais da TV em que a imagem é desfocada e o entrevistado fala com voz de Pato Donald. Se alguém se sentir atingido, pode pedir que sejam identificados para a abertura de processo. Ou podem, caso a identificação não lhes seja fornecida, processar a emissora.
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