A CBN tem ótima
programação e realmente oferece o que alardeia: notícia. E é o dia inteiro ouvindo
notícias do Brasil e do mundo. Dificilmente dirijo o carro sem o auxílio da
CBN. O carro precisa de gasolina, eu preciso de informação. Em 1991, nasceu a
CBN e seu diferencial é a produção de jornalismo 24 horas com o padrão Globo
de qualidade em
emissora FM. Conquistar ouvintes "plugados" deve
ser seu desafio imediato.
Até aqui, o
leitor incauto deve entender que se trata de texto francamente favorável à
CBN. Mas há um porém. A motivação para esse texto passa longe de trilha
louvaminheira até porque ainda há muito para que a emissora me faça a cabeça.
Por ouvir muito a CBN, desenvolvi simpatias e antipatias. Vamos às antipatias
que, no mais das vezes, são gratuitas mesmo.
Os comentários
de Lúcia Hippolito parecem-me inteiramente feitos por sensações. Não é à toa
que sua frase para o âncora Heródoto Barbeiro – "sabe quando você tem
aquela sensação" – parece já sua marca registrada. Há o jeito
professoral, polido, um contido vestido de aparente descontração. Não
precisamos ser muito argutos para entender que seus comentários fazem
tortuoso caminho para deixar ao largo a visão partidária. É assim que seu
raciocínio irá sempre rotular qualquer ação da bancada governista no
Congresso Nacional como sendo "da tropa de choque do governo". E
não haverá comentário seu envolvendo Eduardo Azeredo (PSDB) ou José Roberto
Arruda (DEM) sem que antes haja extensa referência ao chamado mensalão
petista. Novos escândalos só servem como escada para reacender na memória a
indignação suscitada por velhos escândalos. Não tarda para que Hippolito veja
as digitais de Marcos Valério no caso Coroa-Brastel dos anos 1980.
Impropérios a desafetos
É a forma como
ela trata de relativizar qualquer escândalo político da hora, do momento. E
tome pito pra cá e pra lá. José Dirceu é sempre repreendido pela professora
da CBN. É chamado de desastrado, um nível apenas abaixo de aloprado, em suas
movimentações políticas. Dilma Rousseff é a própria "criatura" e
nunca deixará de ser citada pela vetusta comentarista sem advertências do
tipo "ela precisa ir se acostumando, uma campanha presidencial pressupõe
debate acalorado, temas quentes e não se pode afobar". Usa e abusa de
jargões pra lá de surrados como "é o fim do mundo", "é um
espanto a capacidade de fulano fazer isso e aquilo".
Divulgação de
pesquisa é outra especialidade em seus comentários. Coloca na vitrine os
resultados se estes forem favoráveis a seu espectro político. Do contrário,
ficam ali escanteados na prateleira lateral que é para não dar muito na
vista, se é que me entendem. Lúcia Hippolito transita com segurança por vãos
e desvãos do Brasil Império e da Velha República e tem o dom de nos fazer
íntimos de personagens como Carlos Lacerda, Getúlio Vargas, João Goulart,
Adhemar de Barros e Leonel Brizola. À parte tudo isso, tem uma voz que gosto
de ouvir.
Os comentários
de Artur Xexéo causam-me sono. Há um descompasso gritante entre o brilhante
cronista que ele é e o comentarista que acompanha Carlos Heitor Cony e
Viviane Mosé no programa Liberdade de Expressão. Implico logo de cara
com o nome: por que "liberdade de expressão"? À época de sua
estréia na CBN, pensava que era um espaço para se falar qualquer coisa
livremente por mais desatinado que parecesse. Depois das primeiras semanas
escutando Cony e Xexéo (Mosé é aquisição recente), me dei conta que estava
comprando gato por lebre.
Cony tem uma
prosa boa que, no entanto, fica a anos-luz do Cony escritor, do Cony
jornalista. Suas histórias são saborosas e os fatos do dia servidos por
Barbeiro nada mais são que escadas para adentrar sua prodigiosa memória:
histórias de internato, marchinhas de carnaval das antiqüíssimas, histórias
de políticos dos anos 1950, citações a Nelson Rodrigues, Otto Lara Rezende e
toda a confraria mineira e paulistana. Mas o que me desagrada são as
intervenções do Xexéo que, sempre desinformado, parece não saber o que está em debate. E seus
comentários refletem o mais completo sortimento de senso comum da história do
rádio brasileiro. Não deixa de ser irônico que, numa escala de 0 a 10, comentarista com grau
2 de capacidade de surpreendimento nos brinde com pedidos de mais informações
ao âncora e nos ofereça sempre mais do mesmo. É Xexéo causa-me sono. Apenas
no rádio, diga-se.
Os comentários
de Arnaldo Jabor parecem-me sempre exagerados e pretensiosos. Tudo nele é
hiperbólico, passional, pessoal e parcial em excesso. Quem
escuta um comentário que seja do Jabor já fica com o sentimento que ouviu
todos como se surgissem em pencas. É um cacete só: Lula, Fidel, Chávez,
Dirceu, Evo, Lugo, Kirchner, MST, CUT etc. Frases feitas e polêmicas, tão
artificiais quanto estéreis. Algumas frases de Jabor ilustram este ponto.
Sobre homossexualismo: "Antigamente, o homossexualismo era proibido no
Brasil. Depois passou a ser tolerado. Hoje é aceito como coisa normal. Eu vou-me
embora antes que passe a ser obrigatório." Sobre Roberto Marinho:
"A importância dele vai além do jornalismo e da televisão. Ele
influenciou nossa vida, a linguagem e a cultura do povo brasileiro."
Sobre premiação de filmes: "A Vida é Bela levou o Oscar porque
americano gosta de filme que tenha judeu, criança e cachorrinho."
Se Lúcia
Hippolito é contida, Jabor é desabrido. Se Lúcia Hippolito busca enfeixar os
pensamentos dentro de uma lógica, os do Jabor andam sempre em bandos,
ruidosos e estridentes guardando parentesco em primeiro grau com o hoje
mal-afamado bordão do Boris Casoy ("Isto é uma vergonha!"). Mas é
conjugando uma ou outra frase de efeito, arremessando dois ou três
impropérios a seus desafetos no campo ideológico, que seus comentários
sobrevivem na grade da CBN.
Obsolescência não tem a ver com idade
Os comentários
de Mauro Halfeld emulam ambiente de confessionário católico. A voz grave, as
sílabas bravamente escandidas, uma a uma, sem qualquer atropelo, consegue
logo de entrada criar empatia entre o comentarista e a audiência. Halfeld
lembra aquele irmão mais novo dois anos, sempre às voltas com livros e pouco
afeito a qualquer atividade desportiva. De forma clara e didática, Halfeld
parece ensinar a tabuada (aquela antiga tabuada dos anos 1960) a alunos com
máquinas HP12C. No dia em
que Cid Moreira desistir de gravar em áudio os 66 livros
que formam a Bíblia, penso em recomendar Mauro Halfeld
para concluir a tarefa. Tem todo o jeitão. E inspira confiança.
Também, se o
pessoal do colégio fosse encenar peça sobre a Grécia antiga, não pensaria
duas vezes em
indicar Halfeld para fazer a voz do oráculo de Delfos. Leva
jeito. Até o humor é elevado a outras esferas, e quando rimos há algo de
comportado nisso, como se ríssemos com o canto da boca ou, como se diz, como
se ríssemos para dentro. Gosto do Mauro Halfeld. Penso que seria também
excelente comentarista de literatura. Por que não pensaram nisso?
Os comentários
de Max Gehringer causam boa impressão à primeira vista. São inteligentes e
contribuem para elevar nosso conhecimento sobre a origem das palavras.
Ficamos sabendo que a palavra "educar" pela sua etimologia (educere),
significa "conduzir a partir de". A origem etimológica da própria
palavra "trabalho" é tripalium, um antigo instrumento de
tortura. A palavra "emprego" deriva do latim implicare, que
significa "confundir". E a palavra "sucesso" vem de succedere,
que antigamente tinha a conotação neutra de "acontecimento": alguma
coisa ou acontece ou não acontece. Se acontecer, é um sucesso. Furar o pneu
do carro, por exemplo, é um sucesso.
Suas
explicações, como vemos, têm a profundidade de pires. É também o rei do senso
comum gerando o almejado clima de cumplicidade com os ouvintes. Gehringer se
despe de qualquer cerimônia ao inferir que o trabalhador é a própria
mercadoria a ser vendida e para tal usa o linguajar comercial em seus
comentários. Algo como: "O maior risco que um profissional corre hoje é
o de ficar obsoleto. E obsolescência não tem nada a ver com idade. Tem a ver
com adequação às necessidades, como qualquer produto de consumo."
É bem triste ver
um dos mais bem-sucedidos especialistas da atualidade em recursos humanos do
Brasil considerar sem qualquer pudor a experiência humana apenas como coisa
que pode ser trocada e vendida, empregada, subempregada, paga, mal paga,
reciclada e sujeita a ter seu tempo de vida útil expirado.
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Caro Pedro Bueno,
ResponderExcluirExcelente matéria, que descreve bem cada um dos "ATORES que atuam na CBN.
Abraços,
Saraiva