quarta-feira, 11 de agosto de 2010

quarta-feira, 11 de agosto de 2010 | 07:00

Gerador de frustrações

Carlos Chagas

A memória do povo é curta. Do sociólogo, em especial. Escanteado na campanha de José Serra, para permanecer na mídia Fernando Henrique Cardoso especializa-se em bater no Lula, um dia sim, outro também. Acaba de declarar que o atual presidente da República abusa do poder, integrando-se na campanha de Dilma Rousseff e permitindo que o PT utilize os fundos de pensão como um fechado bloco de poder.

Por quem sois, Excelência? Esqueceu qual a principal figura no festival das privatizações que promoveu em seu governo? Precisamente os fundos de pensão, manipulados até o limite da irresponsabilidade, conforme um de seus ministros. Naquelas operações de doação do patrimônio público o que menos pesou foram os recursos privados. É claro que o PT não tem direito algum sobre a caverna do Ali Babá em que se transformaram os fundos de pensão, mas o sociólogo também não tinha, quando diversas vezes pronunciou a palavra mágica do “Abre-te Sésamo”. E como abriu…

Disse o ex-presidente não ter feito o que o Lula faz, ou seja, pedir votos para a candidata e misturar as funções de chefe do governo com as de cabo eleitoral. É bem possível haver razão no diagnóstico, não fosse um detalhe: FHC tinha horror da candidatura de José Serra. Não o queria no palácio do Planalto. Aliás, não queria ninguém, exceto ele mesmo. Por isso saltou de banda durante a campanha vencida pelo Lula.

Bissextos leitores indagam porque essa marcação cerrada contra Fernando Henrique, neste espaço. A explicação resume-se numa palavra: frustração. Porque ele frustrou a imensa maioria do povo que o elegeu. Naqueles idos, tendo Itamar Franco surpreendido todo mundo ao fazer um excelente governo, o Brasil parecia estar tomando jeito. O candidato escolhido pelo então presidente da República apresentava bagagem invulgar. Um dos líderes da resistência contra a ditadura, exilado, senador e executor do Plano Real, que acabou com a inflação. Intelectual, cercado de diplomas, poliglota e, acima de tudo, um representante da esquerda consciente. Reformista, jamais revolucionário, servia de anteparo às aventuras populistas e à pregação do caos. Mas acenava com largos passos adiante no aprimoramento social e institucional. Seu último projeto, apresentado no Senado pouco antes da campanha eleitoral, estabelecia parâmetros para a cobrança do imposto sobre grandes fortunas. Em suma, seria através dele que o país avançaria como opção destinada a reduzir desigualdades flagrantes entre ricos e pobres, nações e indivíduos.

Pois é. No poder, pediu que esquecessem tudo o que havia escrito. Entregou-se de corpo e alma ao Primeiro Mundo e aos potentados empresariais. Começou promovendo ampla reforma na Constituição, suprimindo direitos sociais e princípios garantidores da soberania nacional. Extinguiu monopólios fundamentais. Promoveu a mais abominável desnacionalização de que se tem notícia na República. Leiloou parte considerável da própria Petrobrás, que quando jovem defendeu nas ruas. Entregou as telecomunicações ao estrangeiro, da mesma forma como o subsolo. Fez mais: arrancou do Congresso, sabe-se lá a que preço, a execrável emenda da reeleição, dispondo que ele mesmo poderia disputar um segundo mandato no exercício do primeiro.

Haveria muito mais a alinhar, se houvesse espaço e indignação, sentimento que hoje se transmuda em frustração…

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